As Fintechs irão acabar com os bancos? Um conceito que no passado já causou grande preocupação de grandes instituições financeiras, mas que na prática ficou bastante desatualizado e o próprio tempo foi responsável por virar esta página e corrigir a interpretação. O bom e velho “startup mindset“, o ágil e o Lean serão suficientes para salvar as instituições financeiras? Já parou para pensar que a mentalidade de startup e o tradicional modelo “fail fast” com origens no vale do silício – falhe rápido, aprenda e se não der certo “pivote” seu modelo de negócio – podem não ser a resposta que irá garantir o sucesso futuro para as grandes instituições financeiras? Particularmente, quem já teve a oportunidade de experimentar o modelo startup e fintech, sabe que ali tem muito aprendizado, novos processos e práticas que podem produzir alguns bons frutos em termos de mudança de mindset e cultura em grandes instituições financeiras, porém o momento que vive o setor pede uma atenção especial e o passo de transformação deve ser ainda maior.
Sinais de transformação ou disrupção à vista. Alguns alertas justificados, outros nem tanto, mas a verdade é que o setor financeiro vem passando por um processo de transformação muito forte impulsionado pela mudança de comportamento do novo consumidor, o aumento da competição no setor, o avanço de novos modelos de negócios digitais, além do importante movimento de desagregação ou unbundling que o setor vivenciou nos últimos anos com o surgimento e fortalecimento de fintechs e de novos competidores que nasceram focados em linhas de negócio especificas, produtos fortemente personalizados, sempre com o o objetivo de entregar novas e incríveis experiências e servir melhor o cliente. O processo de inovação constante passou a fazer parte da grande maioria das empresas, quase como um “inovar ou morrer“.
Mas como as mudanças aconteceram de forma muito acelerada, o mercado também evoluiu rápido para acompanhar: os competidores e as Fintechs (ou pelo menos algumas delas) cresceram bastante e perceberam que para estar no controle da jornada do cliente não bastava oferecer apenas mais um serviço inovador. Entregar uma experiência incrível de meio de pagamento, sem fricção, através de uma wallet ou carteira digital moderna e estilosa, passou a não ser mais suficiente. Desintermediar serviços financeiros passou a ser o caminho que todos buscavam, mas que na prática demorou ou não trouxe os vultusos retornos financeiros tão esperados e prometidos em suas fases de planejamento e investimentos. E quanto às Tarifas? Bem, estas não contribuiram pois a tese de investimentos e de proposta de valor das Fintechs, Bancos Digitais e neobanks era justamente de acabar com elas.
Era preciso então antecipar o planejamento estratégico e rapidamente se voltar ao crédito. Afinal, o crédito move a economia, as pessoas e empresas dependem dele para organizar as economias dométicas, investir em um novo negócio ou mesmo garantir um fluxo de caixa sadio para manter as operações das empresas. De forma a ampliar o alcance, receitas e retornos financeiros, as Fintechs e neobanks deixaram de ser apenas Fintechs e começaram a seguir um novo caminho e estratégia – a de reagregar serviços financeiros, processo também conhecido como “rebundling”. Realizar a oferta conjunta de serviços financeiros, produtos complementares, combinados e conectados na jornada diária do consumidor de serviços financeiros. A wallet de pagamentos e cartão de crédito passou a oferecer crédito, consignado, financiamento de veículos, crédito com garantia em imóvel, entre outros. Indo além, começaram a oferecer seguros, investimentos, enfim, um novo e verdadeiro “one-stop-shop” de serviços financeiros. Chegamos ao novo modelo de Fintech 2.0. Qualquer semelhança com a agregação da oferta de serviços financeiros que as instituições financeiras tradicionalmente faziam em seus canais é mera coincidência.
O fato é que agora o canal passou a ser digital, a experiência é omnichannel, o uso de dados coletados dos clientes ao longo da jornada é cada vez maior, a interação é online e a experiência de consumo de serviços é cada vez mais simples, conectada e amigável. Como o processo de transformação do setor anda rápido, os nativos digitais já foram capazes de conectar o crédito ao meio de pagamento, embarcaram o processo integrado no aplicativo de compras da varejista, no canal ecommerce, na maquininha, no PDV do varejo, enfim na jornada completa do consumidor onde a Wallet moderna que comentei agora à pouco, passou a ser apenas mais um canal de relacionamento. O mundo assiste surpreso o avanço do movimento BNPL (buy know pay later), levando o financiamento, o parcelamento de compras e nosso famoso crediário ao ponto de venda, integrado ao meio de pagamento e no momento exato da compra. Conforme o BNPL cresce rápido pelo mundo, as empresas e os consumidores começam a entender o novo modelo e a se deparar com os desafios clássicos de conceder crédito: conhecer o cliente, lidar com os efeitos da inadimplência, negativação e redução de scoring de crédito do cliente, cobrança de parcelas vencidas. Fico me perguntando se não seria mais simples a adoção do modelo se o mundo viesse previamente até nós aprender com o modelo brasileiro.
Mas não podemos negar que avançamos bastante nos últimos anos em termos de inovação, competição, experiência diferenciada para o consumidor final. Assim como também é verdade que o processo de transformação ou de disrupção no setor financeiro veio para ficar e parece cada dia mais acelerado. As grandes instituições financeiras precisam compreender os desafios e oportunidades deste novo cenário e necessitam ir além, ficarem parados como meros telespectadores e simplesmente acompanhar a transformação do mercado não é mais uma opção. Cada participante deste ecossistema do setor financeiro tem seus desafios, seja ele uma instituição Financeira tradicional ou incumbente, um banco digital ou mesmo uma fintech. Estamos falando de um ecossistema que não para de crescer onde a cada dia entram novos entrantes. O varejo, por exemplo, tem o desejo de alavancar e se beneficiar de serviços financeiros como instrumento para obter novas fontes de receitas, assim como coletar dados valiosos durante a interação com os seus clientes – pagamentos, por exemplo, oferecem dados muito ricos sobre o comportamento e perfil dos consumidores. A, e claro, as Bigtechs, aqui temos um caso à parte e, sem dúvida, merece uma análise mais profunda. Para onde vão, quais serviços financeiros vão apostar e oferecer, irão manter o foco na distribuição de serviços financeiros, tendo por trás uma instituição Financeira oferecendo tais serviços?
Se existe um caminho de colaboração e parceria com as Fintechs, como maximizá-lo em benefício da grande instituição Financeira (IF)? Se a IF tem dificuldade de acompanhar todo um mercado de disruptores e inovadores que oferecem nossas experiências a todo instante, como competir neste novo mercado? Todo participante deste ecossistema financeiro tem fortalezas, mas também pontos frágeis. Fintechs, por exemplo, normalmente têm desafios quanto ao histórico limitado e de informações de relacionamento com os consumidores, necessidade constante de encontrar novas fontes de capitalização (funding), requerimentos para adaptação constante ao ambiente regulatório, marca pouco conhecida pela população, entre outros. Então é natural que elas busquem parceiros que possam suprir estas lacunas (“gaps”) e para que possam escalar uma operação que normalmente é deficitária nos primeiros anos. Crescer para elas inicialmente, com frequência, é mais importante que dar lucro.
As grandes instituições financeiras têm a sua disposição a força de suas marcas, despertam confiança em seus clientes, têm a estrutura e os conhecimentos internos e processos para responder de forma mais estruturada às mudanças regulatórias. A velocidade de entrega de novas experiências aos clientes e o poder de inovação das Fintechs pode ser combinada com a força, os canais de distribuição, a escala e alcance de novos clientes, o conhecimento regulatório e o acesso a capital das grandes IFs. Estas instituições financeiras, por sua vez, no geral não querem se tornar apenas meros provedores de serviços ou “utility providers” neste processo. Para tal, as Instituições financeiras tradicionais terão que aprender a trabalhar com modelos abertos (tais como Open Banking e Open Finance), fazer o uso consistente de novas tecnologias, alavancar parcerias e ecossistemas e permitir que terceiros ofereçam novos produtos, experiências, ao abrir o leque de opções para os consumidores.
As instituições financeiras terão que avançar com seu próprio processo de reagregação ou “rebundling” digital, retomando o controle da jornada do cliente e se tornando plataformas, ao integrar múltiplas capacidades, centralizar diversos serviços (hub de serviços), empoderar novas experiências para os consumidores e, principalmente, trabalhar com dados das diferentes jornadas dos seus múltiplos clientes, mas com a capacidade de individualizar cada consumidor de maneira única e personalizada. As IFs precisam se tornar verdadeiras plataformas digitais abertas, alavancando fortemente o uso de dados e capacidades analíticas para dar uma visão abrangente a estes clientes, oferecer serviços de alto valor agregado e entregar solucões altamente personalizadas de acordo com suas necessidades, permanecendo no controle na jornada do cliente. Os modelos abertos tais como Open Banking e Open Insurance (que se integram para formar o Open Finance) passam a ser os verdadeiros trilhos para acelerar a entrega destas inovações e permitir o compatilhamento seguro e padronizado de informações, dados de clientes e serviços entre as instituições. Estas plataformas e infraestruturas digitais permitirão que soluções interoperáveis e serviços digitais integrados e completos cheguem a mais pessoas e empresas, com menor custo e maior conveniência.
E o potencial de mercado para novos modelos baseados em plataforma baseados em ecossistema é imenso. Um estudo do Business Insiders, por exemplo, aponta que o fenômeno do Embedded Finance (ou Finanças Embarcadas), representa uma oportunidade de U$7.2 trilhões de dólares em 10(dez) anos até 2030. Somente nos Estados Unidos da América deve representar cerca de U$230 bilhões de novas receitas para o setor em 2025, versus U$22.5 bi em 2020 (922% de crescimento em 5 anos). As experiências embarcadas demonstram ser uma nova tendência, uma vez que o cliente quer consumir serviços financeiros imersos em suas jornadas do seu dia-a-dia, através de um aplicativo de compras no celular e ecommerce ou somente para ter a facilidade de pagar por um serviço dentro do próprio aplicativo, wallet ou super app no momento exato da interação ou consumo de um serviço.
Para tirar proveito destes novos modelos de negócios, manterem-se relevantes para os consumidores finais e aproveitarem ao máximo as oportunidades de novas receitas que o mercado está apontando será necessário que as instituições financeiras estejam no controle das jornadas dos clientes e para tal precisam se tornar verdadeiras plataformas digitais abertas.
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