Legislação Brasileira e futuro do Open Banking

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Diferentemente da Europa, no Brasil ainda não temos uma regulamentação específica que obriga os Bancos a expor dados e informações de clientes em um modelo Open Banking (para saber mais sobre ele, leio o artigo O que é Open Banking?). Há algum tempo que o Banco Central do Brasil acompanha e estuda a evolução do modelo europeu e os possíveis impactos que este modelo pode trazer para o mercado financeiro brasileiro. Se de um lado, não existe uma normativa que impõe o processo de abertura de informações através de APIs (característica fundamental das regulamentações européias do PSD2 e Open Banking UK), fica a dúvida se é possível promover um processo de abertura, considerando as leis atuais e a legislação vigente.

Dessa forma, decidi trazer à tona algumas leis, resoluções recentes do BC e normativas vigentes no Brasil para tentar elucidar algumas dúvidas ou ao menos fomentar um pouco mais a discussão à respeito deste tema. Ao levantar estas informações fica cada vez mais evidente o movimento de maior abertura do BC do Brasil, muito em função de sua agenda BC+, no sentido de modernizar a legislação, aumentar a transparência entre instituições financeiras e clientes, além de promover maior competitividade na concessão de crédito.

Reforço, porém, que disponibilizar dados e informações de clientes para terceiros é algo que exige estudo aprofundado, assim como a definição de modelos de governança e segurança no acesso à informação que possam garantir a privacidade e o sigilo no acesso aos dados dos clientes. À seguir cito algumas das principais leis e normativas que direta ou indiretamente podem trazer impacto em um modelo de abertura, assim como acontece com a reulamentação do Open Banking em UK.

1. Lei do Sigilo das Operações Bancárias (LEI COMPLEMENTAR 105/2001)

A LEI COMPLEMENTAR Nº 105, DE 10 DE JANEIRO DE 2001 dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras no Brasil. O Art. 1o, § 3o, inciso V, destaca “a revelação de informações sigilosas com o consentimento expresso dos interessados”, ou seja, desde que haja “consentimento expresso do interessados”, a revelação das informações sigilosas não constitui violação do dever de sigilo.

A LC 105/2001 impõe que os dados sejam compartilhados somente mediante autorização direta e explícita dos clientes.

2. Resolução do Conselho Monetário Nacional (“CMN”) “Res. 3401/06”

A resolução do Conselho Monetário Nacional (“CMN”) nº. 3.401, de 6 de setembro de 2006 (“Res. 3401/06”), que alterou a Resolução do CMN nº 2.835, de 30 de maio de 2001 (“Res. 2835/01”). Essa norma facilitou a portabilidade de serviços financeiros e teve o objetivo de estimular a competição no setor, ao conferir aos clientes bancários a prerrogativa de obter, diretamente com seu banco, informações de grande relevância, podendo citar:

  • dados cadastrais dos cliente;
  • saldo médio mensal mantido em conta-corrente;
  • histórico detalhado de operações de crédito contratadas;
  • histórico detalhado das operações de empréstimo, de financiamento e de arrendamento mercantil contratadas;
  • saldo médio mensal de aplicações financeiras e demais investimentos mantidos pela instituição

Ainda segundo o Art. 3º “As instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil devem fornecer a terceiros, quando formalmente autorizados por
seus clientes, as informações cadastrais a eles relativas, de que trata a Resolução 2.835, de 30 de maio de 2001”. Ou seja, a resolução permite expressamente que o cliente possa disponibilizar estas informações a terceiros, dede que por ele devidamente autorizado.

3. Lei da Portabilidade Bancária (conta-salário)

Com o advento da Resolução nº. 3.402, de 06 de setembro de 2006, alterada pela Resolução nº. 3.424, de 21 de dezembro de 2006, ambas do Conselho Monetário Nacional (CMN), foi atribuído aos consumidores o direito de optar, com maior liberdade, pelo recebimento dos seus respectivos salários nas instituições financeira de sua preferência. Com a normativa, as instituições financeiras responsáveis pela prestação de serviços de pagamento de salários, aposentadorias, pensões e similares, absorveram o encargo de efetuar as transferências de créditos para seus clientes desde que estes façam uma solicitação expressa neste sentido.

Em fevereiro de 2018, o BC optou por simplificar o processo de portabilidade da conta salário. Com a mudança, a solicitação da portabilidade poderá ser realizada diretamente na instituição onde o funcionário busque ter o relacionamento. Antes ele deveria se apresentar à instituição financeira contratada pelo empregador para depósito do salário. Esta novas regras são estabelecidas através da Resolução 4.639/2018, que entra em vigor em 1º de julho de 2018. A nova normativa incorpora também as as contas de pagamento e as instituições de pagamento autorizadas. O novo modelo simplificará o processo para os clientes, além de promover maior comodidade, uma vez que o próprio banco receptor irá estar à frente do processo. Trata-se de um modelo muito similar à portabilidade da telefonia móvel.

4. RESOLUÇÃO Nº 4.649/2018 sobre prestação de serviços a instituições de pagamento

A RESOLUÇÃO Nº 4.649, DE 28 DE MARÇO DE 2018 dispõe sobre a prestação de serviços por parte de instituições financeiras às instituições de pagamento e à outras instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.

A normativa proibiu aos bancos de limitar ou impedir o acesso de instituições de pagamentos a diferentes tipos de operações bancárias, com o objetivo de estimular a concorrência no sistema financeiro nacional. Com esta resolução, o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou normativa que veda aos bancos limitar ou dificultar o acesso das instituições de pagamentos aos seguintes serviços financeiros:

  • débitos autorizados pelo titular de conta de depósitos ou de conta de pagamento;
  • emissão de boletos de pagamento;
  • transferências entre contas no âmbito da mesma instituição;
  • Transferência Eletrônica Disponível (TED);
  • Documento de Crédito (DOC)

A medida oferece maior eficiência e concorrência na oferta de soluções de pagamento e de crédito aos clientes, uma vez que permite que todas as instituições de pagamento não bancárias passem a ter acesso sem dificuldades à serviços como transferência, DOC/TED e débito automático.

5. Resolução nº 4.656, de 26/4/2018, que regulamenta as Fintechs de Crédito

A Resolução 4.656/2018 regulamenta as Fintechs de Crédito e abre portas para que estas empresas inovem, aumentando a competitividade no setor e estimule a oferta de novos serviços de crédito no Brasil. Um dos principais diferenciais desta nova lei, é que as Fintechs não precisarão mais se associar diretamente à instituições financeiras para poderem operar. Em resumo, não há a obrigatoriedade de ter um banco de liquidação para as operações de empréstimo. No meu último post “O Banco Central e a inovação promovida pelas Fintechs” de 25/05/2018, falo um pouco mais sobre esta nova resolução.

Espera-se que esta nova regulamentação incentive o aparecimento de novas empresas e Fintechs que promovam o uso mais efetivo de novas tecnologias, tais como a computação em núvem e o analytics. Desta maneira, esta empresas poderão beneficiar-se com redução de custos com originação e aquisição de novos clientes via canais digitais, análise mais eficiente de riscos e aprovação mais ágil de crédito. O uso dessas tecnologias e novos processos poderão exercer um impacto positivo no mercado no sentido de promover uma redução no custo do crédito final percebido pelos clientes.

E quanto ao Futuro?

Como sabemos os clientes das instituições financeiras tradicionais mudaram e estão buscando novas experiências e, principalmente, novas formas de interação via canais digitais, com extrema velocidade e personalização. Para atender bem, e na velocidade e com a qualidade que estes clientes demandam torna-se cada vez mais imperativo o estabelecimento de parcerias (ex. com Fintechs), promovendo a inovação através da expansão de um modelo de ecossistema. O futuro das legislação deve ser pensado de forma a atender à este novo cliente, porém este processo deve acontecer com responsabilidade e sempre com a preocupação de manter a privacidade e a confidencialidade dos dados dos clientes. Isto fica ainda mais evidente após entrada em vigor da lei européia de proteção e privacidade de dados, o GDPR (General Data Protection Regulation), o que deve acelerar o debate local por uma lei de privacidade de dados brasileira. Debate este que já acontece através de projetos de lei, tais como o Projeto de Lei no Senado 330/2013, que dispõe sobre a proteção, o tratamento e o uso dos dados pessoais no Brasil.

O Banco Central (BC) recentemente também trouxe à tona um debate para autorizar um novo sistema de pagamentos instantâneos no Brasil, adotando uma abordagem chamada P2P – sigla em inglês para “peer-to-peer”. Este novo modelo permitirá a realização de transações de pagamentos diretas, de forma online e em tempo real, entre indivíduos e entre empresas, e com baixo custo. Para tal, solicitou aos bancos e à empresas do setor de cartões que apresentem sugestões para desenvolver o sistema. Este novo sistema permitirá que pessoas transfiram dinheiro, eletronicamente e em tempo real, para outras pessoas sem restrição de meio digital ou horário.

Para viabilizar este sistema será necessário garantir total interoperabilidade entre as contas correntes e os cartões de crédito de forma a promover a liquidação das operações. Hoje, para realizar uma transação de TED, por exemplo, através do sistema de pagamentos brasileiro (ou SPB), a transação deve acontecer em horário comercial. A capacidade de realizar transações de pagamento de forma instantânea e independentemente de horário deve se tornar um estímulo adicional ao setor financeiro e às Fintechs, para que todo o setor possa oferecer novos serviços diferenciados e alavancar ecossistemas.

Todas essas medidas destacadas vêm de encontro, direta ou indiretamente, à inovação no setor financeiro e devem estimular a competição no mercado. Novas empresas devem surgir e novas parcerias serem estabelecidas, sempre com o objetivo de prover serviços mais rápidos, baratos e disponibilizados para atender de forma bastante individualizada cada cliente.

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